Quem mandou?

ao ler a palavra
corcunda logo 
retorno as costas 
ao encosto da cadeira
o mesmo deveria 
acontecer ao ler 
- ou imaginar:
cuidado perigo

Boletim de ocorrência

a mão estendida
faz uma festa no ar
ouço dentro de mim
uma música 
danço silenciosa
é assim que aprendi
mãos para cima só
para bailar
ou saudar a alegria
você foi o primeiro
a fazer diferente

3.

dona lucinha tem um 
armazém ao lado da
casa de teresa
todas as tardes eu 
vou lá e peço dois 
pães de queijo bem
moreninhos, por favor,
para levar
no dia de sua partida, 
teresa,
prometo levar para a 
cidade nova um pouco 
mais de alegria também

2.

teresa tem amigos
que riem demais
riem de tudo
eu fico olhando 
pra cara deles
tentando entender
de onde vem tanta graça
talvez esteja na 
cidade nova de teresa
como será isso no 
carnaval?
eu me pergunto

1.

teresa me confunde
o tempo inteiro
disse ia embora
dia 14 de novembro
e agora tá dizendo
que é dia 24
em plena segunda-feira
vou ter que acordar
às seis da manhã 
só para deixar teresa 
na cidade nova 
pedi a ela para 
esperar ao menos 
as férias chegarem
quem sabe assim
teresa não pula 
o carnaval comigo
e nossa única missão
seja atirar nossas 
calcinhas para o ar 
no lugar de serpentinas

III


um cheiro de chuva
entrando pelas 
narinas
havia me esquecido como
era molhar a calcinha
por um poema
alçar voos até você
sua musica entra em 
mim e me come

II

terça-feira, uma moça 
me chamou:
- Bárbara?
trocaram meu nome
queria ser outra
só por hoje ser bárbara
invento nomes para me compor
gosto que outras almas 
me habitem
você me habita, Jade

Epílogo

acho que te vi passando
para onde estava indo tão rápido?
pensei em gritar 
eu te amo
Ana, 
eu queria te olhar
como quem olha estrelas-do-mar

I


difícil saber que sempre
serei a mesma ao partir
queria brincar de ser
outras que ainda não sei
e assim quem sabe de repente 
na boca do coração só saber você

Hiato

levantei às sete da manhã
minhas noites têm sido em claro
ah, dias difíceis, você me diria
às sete da manhã
coloquei ela pra cantar
da maior importância, escolhi
tantos signos, esparsas palavras
e você, aonde estaria tão cedo:
na cozinha fazendo café?
ainda deitado sobre a saudade?
talvez, dando comida aos gatos
ou indo a pé para o trabalho
eu não sei se você acredita
mas como é bom começar 
o dia intuindo a sua vinda

Explosões

todos os gatos saíram do poema
eu avisei
estão todos mortos aqui
Alice me espera na piscina
preciso sair depressa desse jardim
tropeçar nos gatos agora
seria o mesmo que apertar
errado o botãozinho de um 
jogo de campo minado

A vida de Clara

sinto uma pena horrível
de Clara:
ouve música alta
assiste muita tv
fala o tempo inteiro
desconhece o momento
sublime do silêncio

Tédio

tomo toda a água
desse copo ao meu lado
peguei no filtro hoje cedo
não me importo

vi mesmo que tinha uma 
coisinha boiando dentro
nadava mais do que eu
agora mora em mim

nada pode me fazer
mais mal do que ficar
nessa sala vendo a vida
acabar

O branco

falar 
sobre girassóis
em tarde tão cinza
palavras explo
dindo no céu da 
boca esse 
silêncio
pertubador 
uma quarta-feira 
qualquer
até o nada
deva
gar
ir
virando poesia

Asteraceae

ontem mamãe e eu falamos 
de você ela perguntou 
de repente se lembrei de 
deixar as sementes de
girassol no banquinho da varanda
a essa hora já estão plantadas, 
respondi e apostei
bem no meio do canteiro
ele cavou um buraquinho
daqui a pouco vira flor
sinto vontade de ser esse amarelo 
íntimo e solitário que te invade 
pela sala vazia todas as manhãs

Plástico bolha

a vida dana a correr 
eu acho 
graça nas pessoas 
brincam de pega-pega
umas com as outras
de repente floresce o tédio
nos amores
eu queria ser
como ela
matar saudade
como quem aperta
as bolhas de um
plástico



Para Erika
Com cópia oculta para Karina B.

Novidade

dobro um papel ao meio e finjo 
estar de um lado não percebo
e você já está do outro
digo: você é atrevida aqui não 
é mais o seu lugar 

você solta aquela sua gargalhada 
e sua gargalhada solta pela vida
pode percorrer vários caminhos
até interromper o filme no Belas Artes 
rasteja até a tela e lá da frente emana sons histéricos 
todos se olham tentando entender 
o que está acontecendo 
vou verificar, diz o bilheteiro

ele desce as escadas sem pressa
percebe que todo o espaço  
está tomado por sua gargalhada
pensa: finalmente esse cinema 
saiu da rotina isso não acontece 
desde a invasão de libélulas

Vizinhança

você chega um pouco 
alterado e pede desculpas
pelos excessos da noite
perdeu o controle 
o do portão também
todos estão lá embaixo
tentando achar uma solução
precisa de uma chavinha
ninguém sabe cadê
só eu fico aqui em cima
feito uma criança com medo
te vigiando pelo olho mágico
as paredes se estreitando
você pequeno lá na frente
já nem sabe mais o que fala
só chora
eu sei que a qualquer momento 
você pode cair
eu preciso te ajudar

Isabela

eu queria agora
alguém para conversar ou para 
sem querer rasgar uns papéis
velhos que eu guardo na gaveta do 
meio da cômoda assim como você fazia ou 
só para pegar um copo d'água
mas que assim como você tomasse 
a metade dele no caminho
entre a cozinha e o quarto
onde eu esperaria vestido
de bermuda de ficar em casa
e meias de ficar em casa
mas você sabe como são
essas coisas e aí eu 
olho para essa sua foto que 
fica em cima dessa mesma 
cômoda onde ficam os mesmos papéis 
velhos na gaveta do meio e respiro 
desconsolado por saber que 
esse é o lugar mais perto
que você pode estar de mim hoje

Turbulência

essa minha cabeça que
não para de doer, você
disse, e me culpou por 
comer Mcdonald's aquela 
noite: um Bic Mac com 
batata e suco de uva,
por favor, moço
eu ouvia muda do outro
lado da linha você fazendo 
o pedido enquanto pensava
que logo chegaria o dia
que você me mataria de 
tanto amor

Inverno confusão

como tem passado
bem, sempre respondo
cintos cachecóis lenços
ficam dispostos na mesma 
parte do armário há anos
bem em cima de onde ficam os sapatos
preciso tirar tudo do lugar
para encontrar o par
nem me assusto mais com o bicho que está
andando dentro de mim há dias
preciso de um nome para ele
algo que seja diferente do tédio
pavoroso que venho sentindo
não vejo a hora de poder dizer 
a verdade 
nada mais do que a verdade
quando alguém me perguntar
como eu vou

Na contramão

caminhamos sempre no 
mesmo sentido para eu 
te ver indo embora
você sempre com muita
pressa sai desembestada
o juíz ainda nem atirou 
para o alto dando a partida
você queimou a largada
meu amor
corre corre corre
eu até diria que fica
bonita em movimento
sempre dividimos a mesma rua
mas em velocidades diferentes
eu poderia gritar e depois
te denunciar
-ela violou a regra
mas desta vez eu prefiro
ver quem chega e não quem
vai

Dia 5

daqui do décimo segundo
andar tudo vira novo
de um dia para o outro
esses dias apressados
aqui em cima não existem
daqui vejo a linha do horizonte
e me imagino dando um
passo e caindo 
queda livre desse mundo
olho aquela favela lá
na frente e vejo como
ela quase encosta no céu
depois dali não há quase nada
só algumas casas descendo 
em escadas e pessoas subindo
ajoelhadas tentando
chegar mais perto de deus

Chuva de poesia

pinga um ponto
no meu ombro
olhos assustados
para a poesia
se formando

Um não-lugar para ir

não ter um lugar 
é poder ter vários lugares
você pode dar o nome
que quiser para o que 
quiser essa cama 
por exemplo eu posso 
chamar de nossa e
esse coração eu posso 
até falar que é seu
o problema todo está n
que chamamos de amor

Rua Corcovado

subo o morro para a
casa e concentro nas
coxas toda a dor da subida 
lembro de tanta coisa 
durante o percurso
e a única saudade que 
sinto é de quando minha
mãe, caminhando, me dizia:
filha, vou colocar o nome
dela no açucar para ela 
ficar doce - ou você quer
que coloque no gelo?
eu não entendia nada
suspirava e ria
ai ai, mãezinha...

Amanhã a gente faz

bom demais para ser
verdade seria se essa
transação tivesse sido
efetuada com sucesso
senhora
mas isso pouco acontece
na primeira tentativa aqui
a primeira tentativa aqui 
é sempre aquela que me 
faz ir para a cama tratar 
o erro do sistema como
 o mundo todo trata

Ebó

tudo o que tenho agora
é essa música que não 
tem sequer uma palavra
a partir de hoje eu só 
acredito em coisas que
começarem caladas

Dia vinte e quatro

a vida encena algo
que eu não entendo
chego em casa e
coloco Erik Satie
hoje 
só hoje
eu estou com medo 
das palavras

Domingo

Belo Horizonte tem ruas 
bonitas para andar 
especialmente durante a noite
quando todos se recolhem
e a cidade fica vazia 
de pessoas que adoecem por 
falta de paixão e se trancam em apartamentos
esmaga-dores
eu ando por aí e meu único medo 
é de você me ver atravessando
uma rua qualquer e não parar o carro

Dou o poema por encerrado

eu ainda não sei o que 
fazer com o fim dos dias
as repetições incomodam
assim como os joelhos
dobrados por um longo tempo
espicho todo o corpo na cama
que era nossa
e me assusto quando
sem perceber
você entra no meio do poema

Para ler andando

guarda esse livro
ninguém lê enquanto anda,
disse uma senhorinha ao neto
ao sair apressada do café
minha senhora,
as palavras abrem caminhos

Nove sete nove um

ontem eu descobri
que andar na rua
olhando as placas dos carros
é somente um 
mecanismo de alerta
e por isso
meu amor
se a paixão voltar de ré
fica avisado
meu coração já parou de bater
para o que eu chamava
de destino
será que você sabe
meu amor
que é Bethânia quem canta
Canção III
ou foi sem querer
que você convidou
ela pra voltar pra casa e ficar
fica pra sempre
Bethânia
porque é você 
e só você 
quem canta o meu amor por ela
será que você sabe
que hoje estou por extenso
presa por um pregador
estendida num varal
deixando a dor escorrer
e molhar a terra
e você vem
e pisa nela
e torce o pé
e cospe
e essa dor ainda é tão minha
mesmo no chão
não faz isso comigo
por favor
eu sabia que não devia
ouvir aquela música
maldita bethânia
e agora eu só penso naquela frase
que me diziam quando 
eu nem entendia nada de mim
dois pontos
cuidado com o que você deseja

Falta de ar

saudade saudade saudade saudade saudade saudade saudade
saudade saudade saudade saudade saudade saudade saudade
saudade saudade saudade saudade saudade saudade saudade
sufoca a alma e aaaaaaaah me segura que vou dar um troço 
saudade saudade saudade saudade saudade saudade saudade
saudade saudade saudade saudade saudade saudade saudade
saudade saudade saudade saudade saudade saudade saudade

saudade.

Autossabotagem

paro 
olho 
e espero
o telefone tocar
ou você aparecer
do nada
na minha frente
me trazendo flores
e me fazendo um convite
pra jantar: só essa noite, 
você me diria
com um pouco de medo
e eu aceitaria
porque eu te amo, meu amor,
esse céu todo azul me lembra você
meu fascínio por uma
vida sem saudade não existe mais
mas aí eu me lembro
que quem brigou
com você fui eu
e eu não quero mais
nada com você
por Deus, eu não
quero mais nada com 
você!
então, por favor,
entenda e
não fique no meio
do meu caminho -
a não ser para me
trazer flores
ou para me convidar para 
jantar só essa noite

hoje acordei e, como há muito tempo não me acontecia, o amor não foi o meu primeiro pensamento. mas me veio a mente, agora, que o abrir dos olhos já é, de certa forma, amar. e que o ato de amar o outro deveria ser fácil e natural como esse movimento logo ao amanhecer. você tem a luz do dia, o canto leve dos pássaros e o verde reluzente das árvores. 
logo ali. num outono. iluminando você.

abrir-se ao re-começo e, sobretudo, abrir-se ao - sempre sempre sempre novo - amor.
é domingo.
você abre os olhos e não acredita. ela não está onde deveria, mas te sorri tímida do porta-retratos, que você não consegue expulsar da estante. os ponteiros marcam algo entre o número oito e o número nove, mas você não sabe quantas horas ainda faltam para aquela dor acabar. você acende um cigarro pra tentar diminuir a vida. na cama, travesseiros ocupam o lugar do corpo dela. lá fora chove a cântaros.

solidão.

Eu, passarinho

coração de passarinho
não calcula distância
quando sente saudade, 

voa.

Fuso horário

acordei.
aqui ainda é muito cedo.
aí já é muito tarde.
meu coração não pertence a lugar
nenhum.
não sei ser forte perto dos gatos
me tremo inteira
é como se eu tivesse comido jambu
prefiro sentir saudades
sou feita de água
por nada nesse mundo
viro pedra
há algo dentro de mim
que transcende
a palavra
se me jogam para o alto
eu explodo:
sou voo amor e silêncios
quando eu menos espero
aparecem gatos
em minha memória de peixe
e eu sei lá
acho engraçado colocar
gato e peixe
num mesmo poema
e se todos os gatos 
de repente virassem poemas
você andaria por São Paulo
tentando encontrar algo novo
para aprender a gostar
já que eu peguei todos
os gatos e coloquei
onde você provavelmente 
estaria hoje
mesmo que ainda não há
nada que substitua você
nos poemas de amor

o rabo do gato ficou pra trás
varrendo o que ficou 
caído no chão enquanto 
o corpo carregava já
na frente memórias do 
amor que ainda nem é
eu queria mesmo era conseguir 
não falar sobre os gatos
mas os gatos parecem 
palavras que acontecem assim
de repente
fico imaginando você
pelas ruas de São Paulo
brincando com gatos
abrigando saudades
e tentando entender
se esse amar é
mesmo amor

'o tempo livre, a poesia e a paz: onde se encontram as três estórias?'

no hiato de quando somos. 
nas palavras que voam da boca.
em línguas desconhecidas.
no incompreensível da vida.
onde nada se alcança.
onde a gente tudo entende.
bolo algo para dizer a você
mas embolo todas as palavras
no céu da minha boca
travo os dentes
o freio da língua silencia
as letras que formam 
o tudo 
e tudo, hoje, parece 
o nada
e esse nada desce ferindo
minha garganta seca
como a fumaça do cigarro
que fumo para estar só.
eu queria te dar o vento
que passarinha dentro de mim
ou deixar transbordar
esse rio de poesias em você
mas coloquei tapumes na margem
e estou só. no meio.
ao meio permaneço dando braçadas
nessas águas.
encho o peito de ar
prendo o fôlego me afogo
me perco entre o movimento
que o vento faz. estou em pedaços. 
mas eu também volto.
volto
e já não sei se sou Ana ou Mariana
só sou uma quando sou a outra.
me desculpe
mas ainda não sei escrever sobre
alguém que não seja nós.

Você x Eu

você celebra. eu danço.
você tempo. eu vento.
você palavra. eu poemo.

os braços e as pernas são o que 
mais gosto nela. eles me prendem. e me soltam.
eu me perco. e me acho. e vice-versa.
outro dia ela me sentou entre suas pernas. 
sensação de ter passado a vida ali
no meio. eu estou aprendendo a apaziguar
esses tumultos. eu preciso de paz.
e do silêncio em silêncio dentro de mim.
preciso voltar a ser quem eu era antes 
de me meter entre as pernas dela.
ela me enfiou num vai e vem 
de emoções e agora eu só saio em forma de palavra.
busco a palavra. encontro a palavra. construo um poema.
poema precisa sair como quem sai por aí a amar.
distraído.
eu e ela nos tornamos uma meia coisa.
ainda não sei se dá para amar ao meio.
eu preciso ouvir só hoje
aquela menina que mais me parece um espelho.
que insiste em dizer algo sobre
sagitário com lua em escorpião.
no dia em que deixei sua 
casa não deixei a saudade por lá. 
trouxe ela comigo. saudade 
não pode ficar solta numa casa. 
corre pela varanda. vai que brinca de ter asas.
quando leio um livro, por exemplo,
ela está lá. penso que aquele livro
é mais seu do que meu. 
te vejo da primeira palavra ao
virar da página.
começo a construir poesias. 
a sua imagem se formando no meio 
da tarde. minha cabeça cheia de ciência.
a falta de consciência apressa esse tempo. 
hoje já é quarta.
meu corpo ainda lembra do nosso 
último dia.
aqui do alto da Serra
voa uma folha que 
mais parece uma palavra
a escorregar da boca e a dançar 
pelo mato. Adélia disse 
que é preciso fazer render o bom.
então acompanho o que acho que 
é. olhos apertados. 
vejo no alto um azul se movendo 
- talvez eu chame isso de nós.
olho você subindo a montanha
se alimentando desse verde
e já nem me preocupa se 
você me espera ali na frente.
a alma recosta nas pedras.
a palavra descansa no vento.
hoje meu corpo (con)sente 
liberdade.

o gosto de te procurar
entre a montanha e o mar
entre passagens que não findam
entre palavras que não calam
entre os minutos que faltam para as duas da tarde
entre o bater de asas da borboleta
e o sobressalto de um encontro sobrenatural
o gosto de te encontrar dentro de mim
nesses dias em que só amanhece

Balé

era segunda
você dançava
como se fosse sexta

Borboletas II

eu quero
voar e olhar
o outono lá de cima

Despedida

Um novo dia começa. Dessa vez, sem você. Meu coração está partindo para outro lugar. Para estar em paz com o outro, precisamos estar em com a gente. Paz combina com verdade. Com afeto. Com cuidado. Você, hoje, não combina com nada disso. Talvez agora você não entenda, mas eu te desculpo. Meu coração realmente tem amor demais. Fique bem.

Versos soltos

poderia ser eu ali
ao seu lado nessa foto
em branco e preto

Borboletas

Uma pousou no meu vestido
outra entrou no meu estômago
mas me disseram que elas ficam
bonitas mesmo
quando dançam na sala.