A sujeira da lama

Ah, se essa lama em que eu me sujo se chamasse amor e se esse amor fosse louco e doce e amolecesse meus pedaços, minhas mágoas, meus rancores. Ah, eu jogaria pro alto o relógio com seus ponteiros enlouquecedores de vidas. Eu riria com os olhos pequenos dos desamores passados e inventados pelos poetas da madrugada. Olharia com graça as belezas miúdas dessa cidade imunda. Eu daria gritos. Gritos verdes. Verde e rosa. Azul e branco! Gritos de escola de samba. Se essa lama em que eu me sujo se chamasse amor, ah, eu seria outra. Seria sua, seria minha, seria duas, seria inteira, seria um par, seria ímpar. Ah! Se essa lama se chamasse amor, meu amor, a gente se cobriria com os mesmos pedaços, na mesma cama, todas as noites, noites inteiras, preguiçosas, cheias de sussurros e cheias de segredos. Ah, se ela tivesse esse nome, meu amor, meu amor! Eu me debruçaria sobre seus ombros e teria uma vista diferente da vida. Ela viria acompanhada pelo cheiro da sua pele, pelos seus braços, pelos seus pés me segurando firme. Meu amor, era assim que seria se essa lama em que eu me sujo se chamasse amor, era assim que seria... Eu juro pelas cores do meu quarto, pelos livros na estante. Eu juro por mim, aqui e agora, vazia, oca, incompleta, insignificante.

2 comentários:

Unknown disse...

É tão lindo tudo que tem dentro que me da vontade de saber como é por fora.

Erika Araujo disse...

Amei.
Não consigo dizer mais nada.
E se disser também, estraga.