Para o amor - que ainda não me conhece

Ouve? Você ouve daí minhas gargalhadas? Estou rindo de você! Eu rio de você! Rio da sua cara na sua cara! Rio do seu nariz perfeito, do seu sorriso de canto, da sua voz fanhosa. Rio do gesticular das suas mãos, que levam anéis nos dedos do meio. Rio das suas pernas grossas e dos seus pés pequenos. Rio da fumaça do seu cigarro, que passa por mim e finge não me fazer mal. Eu rio do que me faz mal. Dou gargalhadas maléficas que não condizem comigo, porque o amor não condiz comigo. O amor veio e me provou que não condiz comigo! E agora eu grito! E então eu rio da cara do amor. Eu sobrevivi a noites insones sem, ao menos, sentir o calor dos amores passados, só para poder rir da sua cara. Eu não adormeci os olhos para poder, agora, rir de vo-cê. Rio do seu passado cansado, que rasteja por ali, volta por aqui e te machuca e te entrega e te deixa sem saída. O amor te transformou nas cinzas do seu cigarro mal fumado. Cigarros não fumados. Corpos não violados. Cigarros que estragam os corpos, mas enlouquecem o seu sexo. Eu não nasci pra perder! E eu rio de você!

Crie asas

Vista suas asas, amor, e voe pela janela
Amor não é só isso aqui
A terra não é pro seu corpo
A vida te convida para bater asas
Vá:
Leve voante rasante
Invente-se no ar
Movimente-se por lá
Vista suas asas, amor, e voe
Voe você voe eu
Vôo da noite sem dono
Te leva
E me leve, amor
Suave no vento: se leve pelo ar.

A sua mão sua

A sua mão sua. Eu sei que a sua mão é sua. Mas a sua mão sua. E eu não te amo mais justamente porque a sua mão sua. Você nunca vai entender nem porque eu não te amo mais nem porque a sua mão sua. Mas isso é verdade. Eu não te amo mais porque a sua mão sua. Pra mim, isto está claro. Eu não te amo mais porque você também nunca soube usar vírgulas. Mas agora que eu não te amo mais pode ser que você aprenda a usar vírgulas. Você sabe que eu prezo o português e que fui eu que te ensinou a usar as vírgulas. Mas eu nunca vou poder ensinar a sua mão a parar de suar. Eu já falei que pode ser psicológico a sua mão suar, mas, claro, você não me ouve. Você pode achar que estou ficando maluca, mas estou falando a verdade. O que? Louca, vagabunda e mentirosa? Sim, eu sei disso tudo. Mas, por favor, eu preciso ressaltar, porque você pode não entender: eu não te amo mais porque a sua mão sua. Sua mão, sua seu pé, sua nuca, seu cabelo, suas costas, suas pernas. Eca! Tudo em você sua e é tudo seu. Tudo, tudo, tudo sua. Você sua. Coisa de maluco isso! E eu não sou sua mais. E não vou ser nunca mais de ninguém que a mão sue. Eu não gosto de pessoas suadas. Quem sua está sempre assim... melando. Suando. E ando, ando, ando... Eternos andos de suando. Meu deus! O que é isso? O que é todo esse vapor? E esse espelho? Meu deus, e esse amor?

Confabular-se

Confabulando-me
te grito um grito atravessado
sem força, rouco e calado
coberto de expressões que meu rosto faz
e aí eu me faço e te faço também
ao te ver leve rua afora
rua e sol afora
sombra e sol lá fora
te solto sem pára-quedas
num abismo delicioso que é o mistério
e sussurro em seu ouvido:
Voe, amor.
Confabulando-me
Caio numa dessas solidões sublimes de ser e viver...