O amor dos dois

O amor dele era um amor negro. O amor dela não tinha cor. Ela sempre olhava o amor assim por sempre amar demais. É aquela história de limites e definição, ela dizia. E amor não deveria mesmo ter cor. Nem cor nem tamanho. Só cheiro... Mas o que são aquelas cores misturadas no medo de ser o amor de alguém? Amor, não é? Então! E ela podia correr para o corpo que quisesse, mas sempre voltava para o mesmo colo. São os círculos da vida. Ele não sabia de amor até conhecê-la. Ela não sabia de amor até conhecê-lo. Nem ela nem ele nem Deus sabiam. Existia ali naqueles olhos um medo de amar demais. Naquele dia, ele virou para ela e disse: agora é primavera, amor. Deixa eu falar sobre as flores de hoje. Não existirá mais um coração em migalhas nem suor depois da cama nem pó de amor depois da cama, ele prometeu. Ouvindo aquilo, o coração dela batucava por debaixo do vestido curto e colorido, mas ele não notava o tamanho do vai e vem descompensado do peito dela. Ele não entendia muito de tamanhos e de cores. Só de cheiro, só dos cheiros dela...

Para Heitor

Ah, Heitor,
solidão mata!
Solidão de olhos aflitos e tristes:
devoram-se.
Não, Heitor, não quero ser consumida por eles,
medíocres, hipócritas, mentirosos! Inventores de vida!
Inventaram também a minha solidão!
Mexeram na dor de um passante.
Eu passei por ali e gritei com o peito doído: Fica!
Fica, Heitor, meu amor...
Me devora, você,
mas me devora com esses olhos pretos, primeiro.
Aflitos e tristes. Presos no seu túmulo de carne e osso.
Me come, Heitor! Começa, assim, devagar,
como quem não quer nada,
me começa pela boca e depois
desce.
Vem, Heitor, meu amor...
Vem que eu amarei pra sempre esse seu sabor de lembranças tristes
que ontem me fez sair por aí e sentir na pele a hipocrisia solitária da vida.